Caminheiros Anónimos Levadas da Madeira : Levada da Fajã dos Vinháticos (Faial)

Levada da Fajã dos Vinháticos (Faial)

Madre, Ribeira Seca, Faial (1.000 mts) – Fim, Faial e Santana – 12 Km

Para além da construção das levadas do Rabaçal, do Furado e do Juncal a levada da Fajã dos Vinháticos [1], também foi construída pelo Estado. Esta levada, «regou desde o anno de 1860, em que foi concluida a sua construcção, até o anno de 1904, nas freguezias do Fayal e Sant'Anna» [2].

De acordo com o Eng.º Adriano Augusto Trigo, director das Obras Públicas [1911], «começaram os trabalhos nos lanços das Serras do Fayal e S. Jorge no dia 20 de julho de 1903 e proseguiram, quasi que sem interrupção sempre com a maior actividade e enthusiasmo até ao dia 23 de setembro de 1905, em que ficaram inteiramente concluídas. Em 28 de agosto de 1904, achando-se concluídas as obras da levada de S. Jorge, teve logar a inauguração da saída das agoas, que a partir d'essa data começaram a regar nas freguezias do Fayal e Sant'Anna em substituição das da Levada da Fajã dos Vinhaticos, que deviam em seguida cortar-se na origem para serem conduzidas para as freguesias do sul, o que de facto teve logar no anno immediato» [2].

A antiga levada da Serra do Faial na sua origem, passou a ser abastecida pelas águas da levada da Fajã dos Vinháticos, da ribeira Seca e das nascentes da «Aguagem Escura» e do «Cedro Barbudo», situadas na margem esquerda da mesma ribeira, tendo-se abandonado o troço da Levada da Fajã dos Vinháticos desde a sua antiga origem até o sítio da Venda Nova, em Santana [1905].

O aproveitamento pela levada da Serra do Faial das nascentes da «Aguagem Escura» e do «Cedro Barbudo» deu origem a uma nova levada: a «levadinha de João Dias» [3], que em sentido oposto à direção das águas da antiga levada da Fajã dos Vinháticos, transportava [e ainda transporta] as mesmas para a antiga levada da Serra do Faial com destino aos concelhos do Funchal e de Santa Cruz, até as décadas de 60/70 do séc. XX.

A levada da Fajã dos Vinháticos tinha um fluxo contínuo de «38,4 litros por 1"» no sítio da «Venda Nova», onde ela se dividia em «dois ramaes, um para a freguezia de Sant'Anna, outro para freguezia do Faial» [4], e «importou a sua construção» a «verba de 22:880$000 réis»[4]. Tinha dois levadeiros que também exerciam funções na levada do Furado [5].

Foi a «esplanada» da levada da Fajã dos Vinháticos utilizada, para além das gentes do Faial e de Santana [e não só!?], por estrangeiros [turistas e investigadores] que nos visitavam, assim como, a mesma fazia parte das «excursões pedestres» descritas «em livro» sobre a Madeira, nas últimas décadas do séc. XIX. Neste contexto, passamos a transcrever um excerto do livro, «Madeira: its scenery, and how to see it, with letters of a year's residence, and lists of the trees, flowers, ferns, and seaweeds, by Ellen M. Taylor, with frontispiece, map of the island, and plan of Funchal, London: Edward Stanford, 55, Charing Cross, S.W., 1882,» que consideramos, ser um dos preferíveis a nos descrever o percurso da levada da Fajã dos Vinháticos:

[…]

«Pedestrian Excursions within Two Days of Funchal. [6]

«First day.

[…]

«2. Funchal to Pico do Serrado. Descend into Curral and follow up bed of ravine to south-western foot of Pico Ruivo, ascend Pico Ruivo by footpath, which is veiy steep but fair walking, and camp on the Peak, either in the open on the lee side, or in a cave some little way under the southern edge.

«Second day.

«Pico Ruivo to the Encumiada Alta. Descend direct through brushwood from the Encumiada to the Levada da Fajaa dos Vinhaticos (sometimes called Levada do Fayal), which is cut on the northern side of the northern Ribeira da Metade ravine, follow up the levada to its source some few hundred yards from where the descent is made, get on to the new Levada do Furado which is now being cut from the same source, but on the southern side of ravine, follow it out to the engineer's cottage in the southern Ribeira da Metade ravine. From the cottage a fair path takes one down to the bed of ravine and up the opposite side to the old levada, which follow the course of until Ribeiro Frio is reached, ascend to Poizo and return to Funchal by highroad. The descent from Pico Ruivo to Fayal Levada should only be attempted by active climbers.

«Note.—This new levada now being made is to add its volume of water to the old levada cut on the Southern side of the southern Ribeira da Metade, which has its rise in the Ribeira do Balcao, a small stream at the foot of the Balcoes and Arrieiro, and which only carries water at presente to the Santo da Serra for irrigating Santa Cruz and neighbouring parishes ; the channel of this old levada will then be enlarged all the way along to the Lamaceiros and Santo da Serra, there meeting another new piece of levada at present being made to carry on part of the water to Camacha and the eastern heights above Funchal. The whole, when finished, will be over seventy miles in length, from its original source under the Encumiada Alta to Funchal.» [sic.]

[…]

Actualmente, «esplanada» da levada da Fajã dos Vinháticos encontra-se INTRANSITÁVEL em zona de Laurissilva nas serras do Faial. Existem alguns troços da levada e túneis, e damos como exemplo o «furado das janelas» na «quebrada» da Fajã dos Vinháticos [Cabeço da Fajã dos Vinháticos] que são visíveis da levada da Serra do Faial.

Para quem se deslocar a «corta-mato» entre a ribeira Seca e a Achada dos Chiqueiros da Queimada, eventualmente, poderá encontrar partes da velha levada da Fajã dos Vinháticos desativada desde 1905. A sul e a montante da ribeira Seca a levada da Serra do Faial encontra-se a «levandinha de João Dias» que transporta a água das nascentes da «Aguagem Escura» e do «Cedro Barbudo», como já anteriormente referimos. A «levandinha de João Dias» passa por cima do leito da ribeira Seca numa «calle» [ou «cale»] em «pvc» em direção à levada da Serra do Faial.

Depois da entrada ao serviço, a 3 de Setembro de 1966 do «Lanço Sul da Levada dos Tornos, do Aproveitamento Hidroagrícola do Funchal - Santa Cruz» e da inauguração do «Aproveitamento Hidroeléctrico da Fajã da Nogueira» a 19 de Setembro 1971, obras integradas no «Plano dos Novos Aproveitamentos Hidráulicos da Madeira», a levada da Serra do Faial foi reestruturada e apenas passou a alimentar a câmara de carga da Central Hidroeléctrica localizada no Pico da Nogueira. Presentemente, também recebe as águas da levada do Pico Ruivo (via túnel do Pico Ruivo), águas oriundas da bacia hidrográfica da ribeira de São Jorge.

As águas da câmara de carga depois de passar pela Central Hidroeléctrica «entram» na levada dos Tornos com «destino» à vertente sul [ao sítio dos Tornos, Monte, Funchal] por túnel.

Notas:

[1] O traçado da levada da Fajã dos Vinháticos encontra-se descrito na «Carta Geo-Hydrographica da Ilha da Madeira e dos Ilheos e Baixos adjacentes, levantada collectivamente em 1842-43 pelos officiaes do vapor de guerra britânico Styx e o capitão do Corpo de Engenheiros António Pedro de Azevedo […], correcta e publicada com várias ampliações em 1879 […]».

[2] TRIGO, A. A., 1911, «Plano Geral de Distribuição e Arrendamento das águas de Levada do Fayal para Irrigação das Freguesias do Caniço, S. Gonçalo e Santa Maria Maior», Lisboa, Imprensa Nacional.

[3] O nome desta «levadinha» aparece errado na cartografia militar [e não só!] a partir de 1975 [Carta Militar, serie P 821, Edição 1 - S. C. E. P.], aqui denominada de: «levada de João de Deus» . Actualmente, ainda continua o lapso presente na cartografia digital na internet.

«Levadinha de João Dias» é a designação que consta no Elucidário Madeirense [SILVA, Padre Fernando Augusto da e MENESES, Carlos Azevedo de (1984), «Elucidário Madeirense», Fac-símile da edição de 1946, Secretaria Regional de Turismo e Cultura - Direcção Regional dos Assuntos Culturais, Funchal, Volume II, pág. n.º 496].

[4] LEME, D. João da Câmara, 1879, «Apontamentos para o estudo da crise agrícola do distrito do Funchal», Funchal.

[5] FARIA E MAIA, Carlos Roma Machado de e Anibal Augusto Trigo, 1896, «Levadas da Madeira. Relatório justificativo da proposta apresentada pelo Consultorio de Engenharia e Architectura do Funchal no concurso para a adjudicação da Empresa de irrigação no arquipelago da Madeira», Lisboa.

Texto: José Lemos Silva, Julho de 2022.

Fotos: Caminheiros Anónimos, 2019-2022.

Ribeira Seca e os seus cobiçados mananciais vindos das grandes alturas do Pico das Torres, Pico Ruivo e Encumeadas do Pico Ruivo. Deram origem a duas levadas de grande importância, na história das Levadas da Madeira, a Levada da Fajã dos Vinháticos e a Levada da Serra do Faial. Foto de 11/6/2022.

Cabeço da Fajã dos Vinháticos, onde é visível o risco da Levada da Fajã dos Vinháticos. Foto de 6/6/2022.

Córrego do Cedro Barbudo, Levada da Fajã dos Vinháticos. Cerca de 40 metros acima, encontra-se a madre da Levada de João Dias. Foto de 11/6/2022.

Levada da Fajã dos Vinháticos. Foto de 26/3/2022.

Costa Nordeste da Ilha da Madeira, vista da Cova da Roda, junto à Levada da Serra de São Jorge, mais conhecida por Levada do Caldeirão Verde. A actual levada, entre a Cova da Roda e a Venda Nova, herdou o traçado do antigo ramal do Faial, da Levada da Fajã dos Vinháticos. Foto de 24/2/2019.

A actual levada, entre a Cova da Roda e a Venda Nova, herdou o traçado do antigo ramal do Faial, da Levada da Fajã dos Vinháticos. Foto de 24/2/2019.

Sítio da Venda Nova, aparentes vestígios do ramal de Santana da Levada da Fajã dos Vinháticos. Foto de 24/2/2019.

Sítio da Venda Nova, onde a Levada da Serra de São Jorge 'encontrou' a Levada da Fajã dos Vinháticos, substituindo a segunda, no regadio das freguesias do Faial e Santana. Foto de 24/2/2019.

Sítio da Venda Nova, onde a Levada da Serra de São Jorge 'encontrou' a Levada da Fajã dos Vinháticos, substituindo a segunda, no regadio das freguesias do Faial e Santana. Foto de 21/2/2021.

Levada da Serra de São Jorge ou Levada do Caldeirão Verde, acima do encontro das levadas. Foto de 21/2/2021.

Sítio da Venda Nova, onde a Levada da Serra de São Jorge 'encontrou' a Levada da Fajã dos Vinháticos, substituindo a segunda, no regadio das freguesias do Faial e Santana. Foto de 26/2/2021.

Levada da Fajã dos Vinháticos, troço entre a Venda Nova e a Ribeira da Abelheira. Foto de 26/2/2021.

Ribeira da Abelheira. Foto de 26/2/2021.

Levada da Fajã dos Vinháticos, troço entre a Ribeira da Abelheira e a Ribeira do Covão ou do Lombo Galego. Foto de 21/2/2021.

Passagem da Levada da Fajã dos Vinháticos na Ribeira do Covão ou do Lombo Galego. Foto de 21/2/2021.

Levada da Fajã dos Vinháticos, Lombada da Gorda. Troço com sinais de limpeza de mato e passagem recente. Foto de 21/2/2021.

Levada da Fajã dos Vinháticos. Foto de 29/3/2021.

Levada da Fajã dos Vinháticos. Foto de 21/2/2021.

Nalgumas zonas, soterrada e debaixo de muito mato, o traçado da Levada da Fajã dos Vinháticos é-nos indicado pela presença das descendentes das Hortênsias plantadas durante os tempos da utilização da levada entre 1860 e 1904. Foto de 21/2/2021.

Levada da Fajã dos Vinháticos, Achada da Giesta. Foto de 26/3/2022.

Levada da Fajã dos Vinháticos. Foto de 26/3/2022.

Levada da Fajã dos Vinháticos, a esplanada da antiga levada, nesta zona, apresenta ainda sinais de limpeza e utilização, não muito distante. Foto de 26/3/2022.

Levada da Fajã dos Vinháticos, Achada de Cagucho. Foto de 26/3/2022.

Levada da Fajã dos Vinháticos. Foto de 26/3/2022.

Levada da Fajã dos Vinháticos, vista para o Cabeço do Aderno. Foto de 26/3/2022.

Levada da Fajã dos Vinháticos, levada e esplanada em paredes verticais, por baixo da Achada dos Chiqueiros da Queimada. Foto de 26/3/2022.

Bom Gigante, Fajã dos Vinháticos. Foto de 6/6/2022.

Cabeço da Fajã dos Vinháticos, onde é visível o risco da Levada da Fajã dos Vinháticos. Foto de 6/6/2022.

Vista para a Fajã dos Vinháticos, sobranceira à Ribeira Seca. Foto de 6/6/2022.

Vista para o Pico das Torres. É visível o risco da Levada da Serra do Faial, a levada concluída em 1905, que veio buscar os mananciais vindos da Encumeada Alta (Pico Ruivo), para o Funchal, condenando a Levada da Fajã dos Vinháticos ao abandono. Foto de 6/6/2022.

Vista para a Levada da Fajã dos Vinháticos, ocultada pela vegetação, sensivelmente à mesma cota da Levada da Serra do Faial, dado que tinham a mesma origem. Foto 6/6/2022.

Túnel junto à vereda da Fajã dos Vinháticos para o lado jusante ou do Cabeço da Fajã dos Vinháticos, soterrado. Foto de 6/6/2022.

Levada da Fajã dos Vinháticos. Foto de 6/6/2022.

Levada da Fajã dos Vinháticos, outro túnel soterrado, mas com contornamento possível. Foto de 6/6/2022.

Levada da Fajã dos Vinháticos. Foto de 6/6/2022.

Vista para o Pico dos Balcões e Cabeço da Lenha. Foto de 6/6/2022.

Levada da Fajã dos Vinháticos. Foto de 6/6/2022.

Vista para o Pico das Torres. Foto de 6/6/2022.

Bonito troço da Levada da Fajã dos Vinháticos, com túneis e envolvida na floresta Laurissilva. Foto de 6/6/2022.

Uma das subidas para os Chiqueiros da Queimada. Foto de 6/6/2022.

Levada da Fajã dos Vinháticos, embora com marcas de limpeza e passagem não muito antigas, as zonas mais soalheiras da levada, encontram-se cheias de mato. Foto de 6/6/2022.

Levada da Fajã dos Vinháticos, proximidades do Cedro Barbudo. Foto de 11/6/2022.

Córrego do Cedro Barbudo, Levada da Fajã dos Vinháticos. Cerca de 40 metros a cima, encontra-se a madre da Levada de João Dias. Foto de 11/6/2022.

Levada da Fajã dos Vinháticos, troço entre o Cedro Barbudo e as proximidades da Ribeira Seca. Foto de 11/6/2022.

Junto à boca montante deste túnel, encontra-se uma vereda de ligação entre a Levada da Fajã dos Vinháticos e a Levada de João Dias, por onde foi realizado o acesso a este troço. Foto de 11/6/2022.

Levada da Fajã dos Vinháticos, troço entre o Cedro Barbudo e as proximidades da Ribeira Seca. Foto de 11/6/2022.

Vista para a Levada da Serra do Faial ou Levada da Fajã da Nogueira, na margem direita da Ribeira Seca, onde se realizam trabalhos de reparação na levada. Foto de 11/6/2022.

Levada da Fajã dos Vinháticos, troço entre o Cedro Barbudo e as proximidades da Ribeira Seca. Foto de 11/6/2022.

Vista para a Ribeira Seca e para o tubo de transporte de água da Levada de João Dias. Foto de 11/6/2022.

Córrego onde a Levada da Fajã dos Vinháticos terá colapsado. Foto de 11/6/2022.

Vista desde a Levada de João Dias para um troço da Levada da Fajã dos Vinháticos. Nesta zona a diferença de cotas entre as levadas é apenas de 5 metros. Foto de 11/6/2022.

Vereda de acesso à Levada de João Dias. Zona muito instável e de frequentes derrocadas. Aqui passaria a Levada da Fajã dos Vinháticos. Foto de 11/6/2022.

Ribeira Seca, proximidades da madre da antiga Levada da Fajã dos Vinháticos (margem esquerda) e da Levada da Serra do Faial (margem direita). Foto de 11/6/2022.

Ribeira Seca, madre da antiga Levada da Fajã dos Vinháticos (margem esquerda) e da Levada da Serra do Faial (margem direita). Foto de 11/6/2022.

Aparentes vestígios do início de uma levada, na margem esquerda, possibilidade de serem da Levada da Fajã dos Vinháticos. Foto de 11/6/2022.

Vista para a Levada da Fajã dos Vinháticos, ocultada pela vegetação, margem esquerda da Ribeira Seca. Foto de 11/6/2022.

Vista para a Levada da Fajã dos Vinháticos, junto ao Cedro Barbudo. Foto de 11/6/2022.

Vista para o túnel das janelas da Levada da Fajã dos Vinháticos. Antigamente eram visíveis várias janelas, actualmente a maioria estarão tapadas pela vegetação. Foto de 11/6/2022.

Vista para o risco da Levada da Fajã dos Vinháticos, margem esquerda da Ribeira Seca. De ano para ano, cada vez mais ocultada pela vegetação, mas nunca da memória das grandes Levadas da Madeira. Agradecimento especial a todos os que têm mantido transitáveis muitos troços desta levada, isenta da sua função há 117 anos. Foto de 11/6/2022.

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Levada da Fajã dos Vinháticos (Faial)

Levada da Fajã dos Vinháticos (Faial)

Madre, Ribeira Seca, Faial (1.000 mts) – Fim, Faial e Santana – 12 Km

Texto: José Lemos Silva, Julho de 2022.

Fotos: Caminheiros Anónimos, 2019-2022.

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